quinta-feira, 5 de maio de 2011

Suprimir recursos e garantias não resolve morosidade

Há um rançoso mantra judiciário, nascido no núcleo mais burocrático da magistratura, especialmente naquele da cúpula dos tribunais superiores, que martela se hospedarem nos recursos manejados pelas partes todos os males da Justiça brasileira. Carrega-lhe toda responsabilidade pela morosidade do Poder Judiciário e encara o sagrado direito de revisão dos julgamentos em segundo grau como mero instrumento de que se servem as partes (e aí se esquecem de incluir o Estado, disparado o maior cliente dos Pretórios) para procrastinarem o julgamento final da demanda. Credita também às apelações dos cidadãos que, cônscios da falibilidade humana, não se conformam com julgamento único, de um só homem (ou mulher), em grau inferior e por isso recorrem pleiteando a reapreciação do caso, a tão decantada impunidade nacional. Apregoa que os juízes brasileiros, especialmente os da primeira instância, que se acham no estágio inicial da carreira, deveriam ser mais prestigiados, pois, afinal, teriam preparo suficiente para promover Justiça, e suas decisões só excepcionalmente deveriam se submeter à revisão dos tribunais. Concepção, sem dúvida, autoritária.

Passando desse discurso à prática, os tribunais passaram a de tudo fazer para evitar julgar recursos. Declararam guerra às apelações e, de modo específico, aos recursos não-ordinários, que restaram demonizados no ambiente leigo. As cortes não querem mais eliminar os litígios pelo julgamento com aplicação da lei, mas tudo têm feito para matar os processos que os veiculam. Qualquer falha na formação física dos autos, por mais singela e passível de conserto que seja, mesmo que gerada por lapso de funcionário do próprio Judiciário, passou a ser motivo suficiente para não se conhecer de um recurso, ignorá-lo. Até mesmo os protocolados por antecipação, ou seja, antes do início formal do prazo que a lei assina, são recusados, pois são considerados fora do prazo. Em outra vertente, entregaram-se a julgar — quando se dispõem a julgar — recursos em bloco, aos milhares, de uma única vez, desconsiderando teses peculiares e especificidades de cada situação vertida nos autos. Deram-se, também, para condenar as partes ao fundamento de litigância de má-fé quando entendem serem pretensamente inconsistentes seus reclamos, os quais não estariam a seguir a linha jurisprudencial dos tribunais. Procura-se inibir o sagrado direito de recorrer com a ameaça de sanção econômica. A opressão não está apenas voltada contra os advogados, meros representantes das partes, mas aos cidadãos, que vêem agigantar-se a possibilidade de se tornarem vítimas de irreparáveis erros judiciários, máxime nestes tempos em que o ensino superior já não é o mesmo.

Nessa toada, elogiam-se os projetos dos novos códigos de processo por conferirem amplos, gerais e irrestritos poderes aos juízes de primeira instância, tolhendo o efeito suspensivo da apelação, fazendo com que sentenças possam ser imediatamente executadas (se contiverem erros, isso significa que o erro terá eficácia imediata). A última investida foi a proposta do presidente do STF de nova modificação da Constituição para se dificultar ainda mais a subida de recursos às cortes superiores. Mas, se as cortes superiores existem exatamente para reexaminar as causas em grau superior, qual seria então a sua ocupação com a eliminação dos recursos que satanizam? Uma jurisdição de elite, voltada para as “grandes causas” e as governamentais? E o povo?

A alegada ambiguidade segurança/rapidez dos processos judiciais não é nova, nem exclusiva do Brasil. O direito ao recurso, entretanto, é uma conquista da sociedade moderna, garantia de todos, contra erros e arbitrariedades cometidos por magistrados. Tome-se o eloquente — e lamentavelmente crescente — exemplo da censura à imprensa através de decisão judiciária no nosso país. Alguns juízes e tribunais têm, através de seus éditos e em certos temas, censurado a imprensa que a Constituição quer livre, sobrepairante a qualquer outro valor (a responsabilidade pelos erros de imprensa deve vir a posteriori). Como se impedir o recurso de urgência que visa a desconstituir tamanho autoritarismo contra a liberdade de expressão?

Para quem crê que são os recursos judiciais a causa única do retardo no advento da decisão final, é experimentar uma injustiça e restar convicto de que alguma demora se mostra altamente justificável pela necessidade de uma decisão que seja realmente justa. Foi-se o tempo — conforme anota o jurista Eduardo Couture —, em que todos os julgamentos tinham um caráter sacro e religioso, como se o juiz fosse expressão de uma divindade, refletindo nos seus vereditos a infalibilidade do deus representado. Juízes erram. Há que se corrigir os seus erros.

Se é verdade que algumas partes se utilizam de recursos para tornarem o processo mais lento, também é certo, na contraface dessa realidade, que para a grande maioria das pessoas a existência de um processo judicial é motivo de aflição, máxime no processo-crime, em que, se para culpados a demora do processo pode representar benefício temporário, para os inocentes — e mesmo para culpados recolhidos em estabelecimentos prisionais por tempo maior do que a pena que merecem —, representa grande tomento e angústia.

Não será eliminando recursos e suprimindo garantias da cidadania que se combaterá com eficiência a morosidade da Justiça. Que tal recrutar juízes e pessoal de apoio suficientes e incorporar toda tecnologia disponível nos serviços forenses?

Não se argumente com decisões em massa e padronizadas, eis que sentenças não são automóveis que podem, desde Henry Ford, ser fabricados em série. Direito está muito longe de ser ciência exata e cartesiana. Posições momentaneamente dominantes existem e sempre existirão, mas não podem ser vistas como dogmas eternos e imutáveis. A liberdade de atacar a “jurisprudência dominante” é expressão de uma sociedade moderna, plural e democrática, além de constituir sinergia para a evolução do pensamento jurídico e dos valores sociais. Toda unanimidade é burra, dizia Nelson Rodrigues. Sagrado, pois, deve ser o direito de se questionarem transitórios clichês judiciários.

Aos recursos e aos advogados não pode ser mandada a conta do atraso nas decisões do Judiciário. O tema é mais complexo do que sugere essa visão simplista e de superfície, que se exercita mais a partir da burocracia interna dos tribunais do que da perspectiva dos direitos e garantias dos cidadãos, que são, afinal, para quem a Justiça existe.

Oportuna aqui a advertência de Calamandrei: estejam certos de que, mesmo o magistrado mais avesso aos recursos, e crítico do incansável trabalho dos advogados mais combativos, no dia em que estiver envolvido em um conflito próprio, buscará exatamente aquele profissional que, por intensa combatividade, é o que mais utiliza de todos os meios recursos processuais previstos na lei para buscar realizar a efetiva Justiça.

Artigo publicado no site CONJUR em 03.05.2011

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O Direito de ser deixado em paz

Em 1890, dois juristas americanos, Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, publicaram um estudo considerado um marco na história do direito moderno, ao sustentarem que novos inventos e métodos comerciais reclamavam o surgimento de um novo direito fundamental do cidadão, construído a partir de direitos clássicos de proteção à pessoa e à propriedade, e que eles denominaram direito à privacidade, correspondente, nas palavras do juiz americano Cooley, ao direito de ser deixado em paz.

Passados poucos mais de 100 anos daquela publicação, vivemos hoje também a necessidade da criação de um novo direito do cidadão, curiosamente nascido a partir daquele direito à privacidade, que acabou consagrado no último século, fundado nos mesmas razões de desenvolvimento tecnológico e de métodos comerciais, agora por causa da informática e da telemática, e pautado naquela mesma expressão singela mas marcante, de que nos deixem em paz, direito esse que se constitui na proteção do cidadão em face do tratamento automatizado de seus dados – ou, nas palavras dos espanhóis, direito à autodeterminação informativa.

O recolhimento de informações privadas pelos sistemas automatizados, especialmente os que empregam a telemática, já em lay-out apropriado para futuro tratamento, não raras vezes sem que sequer saiba o cidadão que seus dados estão sendo compilados; a troca de dessas informações por órgãos públicos ou por empresas, ampliando significativamente o volume de dados; a capacidade de armazenamento de milhões e milhões de informações; a contínua diminuição dos custos de geração, transmissão, arquivamento e tratamento de dados; e, finalmente, os resultados cada vez mais complexos desses tratamentos, com efetivo risco de violação à privacidade e à intimidade dos cidadãos, tornam imperiosa a consagração, no Brasil, desse novo direito.

A relevância da matéria é de tal ordem que alguns países, como Portugal e Espanha, já a elevaram a nível constitucional, assegurando aos seus cidadãos proteção em face do tratamento automatizado de seus dados. A própria Comunidade Européia instituiu esse direito há alguns anos por meio da Diretiva 95/46/CE, consagrando princípios como da transparência do processo de coleta e de finalidade de dados privados, e da segurança, estabelecendo que quem manter banco com dados privados de terceiros é responsável por eventual violação, inclusive quanto ao acesso por pessoas não autorizadas.

O Brasil consagrou em sua Constituição de 1988 o habeas data, que visa assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, definido estes, pela Lei nº 9.507/97, como todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações. Também é função do habeas data permitir a retificação de dados, quando o cidadão não prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

Esse dispositivo significou um grande avanço no trato de informações do cidadão, considerando especialmente sua motivação, insurgindo-se contra os arquivos ocultos do período militar. Mas, agora, com o avanço tecnológico das duas últimas décadas, a mudança do perfil dos computadores e dos sistemas, a chegada das trocas eletrônicas de dados e, finalmente, da internet, reclamam sejam estabelecidos princípios mais efetivos.

Por outro lado, o art. 43 do Código de Defesa do Consumidor trouxe inovações importantes, estabelecendo que a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deve ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

O problema, no entanto, nem está apenas na abertura de uma base de dados, nem se restringe a relações de consumo. Deve o cidadão saber para que esses dados estão sendo compilados e a que tipo de tratamento estarão sujeitos. Deve igualmente ter o direito de decidir se poderão ou não ser transferidos a terceiros. E a própria espécie de informação deve ser controlada, estabelecendo-se, por exemplo, limites a solicitação de informações sobre credo, raça ou preferência sexual.

O tratamento informatizado dessas informações também precisa ser controlado. Imagine-se, por exemplo, as possibilidades de tratamento de dados compilados por um supermercado com banco gerado a partir de cada compra do consumidor, identificado através de cartões fidelidade. Esse banco de dados, sob tratamento eletrônico adequado, é capaz, por exemplo, de espelhar o comportamento do consumidor dentro de sua própria casa. Aliás, também as empresas passam a correr sérios riscos com esses bancos de dados, na medida em que, por exemplo, permitem que informações sobre seus consumidores possam ser cedidas a uma empresa concorrente para promover campanha individualizada sobre os mesmos.

Não são apenas os bancos de dados comerciais que merecem preocupação. Os bancos de dados de órgãos públicos igualmente reclamam controle, quer em relação ao seu conteúdo e alcance, quer em relação à sua utilização, diante dos riscos efetivos que apresentam não apenas sobre determinado cidadão, mas também sobre toda a coletividade.

Já é hora do Brasil passar a tratar a questão da privacidade do cidadão em face do tratamento automatizado de dados com responsabilidade, como têm feito há anos os países da Comunidade Européia, pelos riscos que isto representa a cada cidadão, e ao país como um todo, seja em relação às empresas, seja em relação ao próprio Governo.

Este artigo foi publicado originalmente no Jornal Gazeta Mercantil, em 14.02.2001, pág. A3. e foi republicado neste blog em razão da recente notícia de consulta pública do Ministério da Justiça sobre diretrizes para lei de proteção de dados pessoais.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Quinto Constitucional e Judiciário Democrático

A Constituição do Brasil reserva uma parcela da composição de todos tribunais brasileiros, salvo o Supremo Tribunal Federal, a membros do Ministério Público e da Advocacia, indicados em lista sêxtupla formada pelos órgãos representativos das respectivas classes, encaminhada ao Tribunal correspondente, que dela extrai uma lista tríplice e a remete, para nomeação de um de seus integrantes, ao Governador ou ao Presidente da República, se o Tribunal for federal. No caso dos Tribunais de segundo grau, essa parcela corresponde a um quinto dos membros da respectiva Corte, daí a razão desse instituto ser chamado de “quinto constitucional”.

Uma parte da magistratura passou a combater a existência do quinto constitucional. As alegações são diversas, como de que haveria indicações pretensamente políticas, de que pessoas jovens demais ou idosas demais compõem listas, ou de não ser justo que alguns juízes de carreira passem a vida inteira na primeira instância, por não existirem vagas nos Tribunais, pela existência do quinto do MP e da advocacia. Esses pretensos argumentos sucumbem à mais elementar análise. A OAB, por exemplo, faz ampla divulgação da abertura de inscrições ao quinto constitucional, proíbe que concorra quem ocupe cargo demissível ad nutum (nomeação) ou que seja dirigente ou conselheiro da entidade, para evitar que questões políticas interfiram na indicação, analisa minuciosamente a documentação dos inscritos, publica seus nomes para eventuais impugnações e suas sessões de arguição dos candidatos e votação das listas são públicas.

A idade mínima e máxima para concorrer é definida na Constituição Brasileira. E sempre haverá um número menor de vagas nos Tribunais do que o número total de juízes de carreira, naturalmente impedindo que todos cheguem ao topo, o que afasta esse argumento tão somente corporativista, que já peca pelo seu pressuposto: as carreiras públicas não pertencem aos funcionários públicos, mas à sociedade, a quem aqueles devem servir. Essa corrente, entretanto, tem contaminado diversos Tribunais de todo o país, e muitos passaram a criar obstáculos diversos para suas aprovações, inclusive definindo quóruns que, não atingidos, justificariam devoluções de listas, ou pretendendo promover arguições dos candidatos, o que equivaleria a juízes aposentados prestarem exame de ordem para se inscreverem na OAB.

O quinto constitucional é a grande fórmula encontrada para democratizar a Justiça brasileira, a fazer com que os Tribunais sejam formados não apenas por juízes de carreira, mas também por representantes das demais classes jurídicas eleitos por seus pares, levando às Cortes experiências profissionais que constituem visões diferentes da Justiça, trazendo benefício à evolução do direito, à saudável renovação de posturas e entendimentos, e mitigando, ademais, o corporativismo inato a qualquer carreira. E como nos Tribunais os julgamentos são colegiados, a participação, na turma julgadora, de profissionais que tiveram outras experiências profissionais sempre pode contribuir para o aperfeiçoamento e a renovação do Direito.

Querer discutir o quinto constitucional é aceitável: discussões dessa natureza são próprias dos sistemas democráticos. Descumpri-lo, contudo, é inadmissível, ainda mais em se tratando do próprio Poder Judiciário, que deveria zelar pela imperativa observância das normas constitucionais e da ordem jurídica. E a discussão, quando houver, deve ser feita no foro competente, o Congresso Nacional, onde as opiniões, contrárias e favoráveis, certamente serão apresentadas, e onde o debate poderá ser estabelecido de forma ampla, incluindo outros possíveis instrumentos de democratização na composição do Judiciário e melhoria da prestação da atividade jurisdicional, inclusive avaliando-se adequadamente institutos tradicionais, como o da vitaliciedade, que permite que não apenas juízes meritórios permaneçam na magistratura e ascendam às Cortes, no mínimo, por antiguidade, mas também os maus juízes, que, quando afastados, acabam recebendo o “prêmio” da disponibilidade ou da aposentadoria compulsória.

É decepcionante ver a Justiça descumprir preceito constitucional, buscando a todo o custo impedir as nomeações pelo quinto, mas é revoltante perceber que essas crescentes iniciativas objetivam aniquilar esse legítimo, salutar e democrático instrumento de arejamento do Judiciário.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Novo CPC: solução para os males da Justiça?

O Senado Federal está para aprovar o novo Código de Processo Civil, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pela presidência da Casa e que apresentou suas propostas como sendo “passos fundamentais para a celeridade do Poder Judiciário, que atingem o cerne dos problemas processuais, e que possibilitarão uma Justiça mais rápida e, naturalmente, mais efetiva”.

Parece-me um equívoco a velocidade que está sendo empregada para aprovação do novo CPC. Um código, apesar de ser também uma lei ordinária, dela se diferencia pela abrangência geral sobre o tema que trata e pela estabilidade que deve ter. Por isso reclama debates mais intensos do que uma lei esparsa. Por isso, tradicionalmente os projetos de códigos têm tramitação demorada, sendo analisados por diversas comissões das casas legislativas. Os regimentos internos das casas que compõem o Congresso Nacional, porém, sofreram modificação para dar tramitação especial quando a proposta de código for elaborada por uma comissão de juristas, como ocorreu com o novo CPC, que estará sendo aprovado no Senado com apenas 6 meses de tramitação. Nem mesmo lei ordinária costuma ter tramitação tão rápida. O Código Civil, elaborado por juristas do porte de Miguel Reale, demorou quase 30 anos para ser aprovado. Evidente que foi um tempo longo demais, mas mesmo assim, sete anos após sua aprovação, já veio a sofrer modificações para correção de suas imperfeições. O processo é a área do direito de maior conteúdo filosófico, já que instrumentaliza a concretização de todos os direitos. A pressa na aprovação do CPC trará prejuízo aos debates e potencialmente, à qualidade de suas novas regras.

De outro lado, parece-me um erro ainda maior imaginar que o problema da morosidade da Justiça é causado pelas disposições processuais. Não há, aliás, legislação que tenha sofrido tantas alterações como a processual civil. Foram mais de 60 modificações e quase todas justificadas exatamente no combate à morosidade do Poder Judiciário, evidenciando que não é nessa legislação que se encontra o problema da Justiça.

O Judiciário, apesar da proclamada autonomia financeira e administrativa é, de longe, o Poder que tem merecido menores investimentos, em relação à demanda cada vez maior por seus serviços. Em São Paulo, onde tramitam 60% dos feitos nacionais, a cada ano aumenta o corte nas propostas orçamentários do Tribunal de Justiça e diminui a sua participação nas Despesas Gerais do Estado. Em 2007, o Judiciário tinha destinado 5% daquelas despesas. Em 2011, essa participação será de 4%. No último exercício, o TJ-SP só teve participação orçamentária maior que os estados de Tocantins e de Amazonas, e um investimento comparável ao PIB Estadual maior que o Paraná. O corte no orçamento do Judiciário em 2010 foi de 30%; em 2011, está sendo de 54%.

A falta de Juízes, de servidores; as mais de 200 criadas e que aguardam instalação há décadas; os servidores desestimulados pela falta de reajustes salariais há dois anos, com sucessivas greves, a deste ano, com 4 meses de duração; os orçamentos comprometidos em mais de 90% com folha salarial, e os outros 10% servindo apenas para pagar parte das despesas fixas, como água, telefone, aluguel, etc, sem qualquer centavo para investimento em melhoria de estruturas e em informatização, são as verdadeiras razões da mora processual, e não a legislação processual.

Ao lado da falta de recursos, vemos também equívocos na gestão no Judiciário, a começar pela convocação de magistrados de 1ª Instância para atuar em áreas técnicas, como informática, recursos humanos, etc. Essas áreas seriam melhor geridas por profissionais com capacitação adequada, e aqueles magistrados convocados serviriam melhor à Justiça se estivessem atuando exclusivamente para aquilo que passaram em concurso público e foram empossados, ou seja, julgar processos. Não será a mudança do CPC que corrigirá essas distorções.

Ocorre que cada magistrado tem naturalmente poderes bastante amplos, e os limites e recursos que o novo CPC está eliminando ou mitigando são instrumentos de controle de equívocos e de abusos. Sem eles, esse controle ficará seriamente comprometido e, se decisões judiciais serão mais rápidas (o que não é uma questão incontroversa, dados os problemas estruturais da Justiça), é de se perguntar se serão também mais justas, mais refletidas, ou mais seguras. Corre-se o risco de desmontarmos a visão garantista do processo, em troca de uma vaga promessa de celeridade, potencialmente inalcançável se os verdadeiros problemas da morosidade não forem enfrentados.

domingo, 24 de outubro de 2010

Orçamento do Judiciário Paulista - Parte II

Coube a mim a exposição no painel que tratou do tema principal do Encontro de Presidentes de Subseções, da Independência do Poder Judiciário.

Centrei minha exposição son sob a ótica da autonomia financeira, base de sustentação de sua independência, a lhe permitir a autogovernância.

Sustentei que o Poder Executivo, a quem compete consolidar o orçamento de todos os Poderes em um único orçamento do Estado (princípio orçamentário da universalidade) só pode alterar a proposta orçamentária do TJ caso esteja em desacordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 99, § 4º, da CF), e que, porém, tem ele sistematicamente promovido cortes elevados (para 2011, foi de 54%) justificados apenas na necessária austeridade fiscal.

Procurei mostrar que os cortes que o Executivo tem promovido não adequam o orçamento do Judiciário à LDO, mas, ao contrário, passam a desatendê-la. Exemplifiquei com o fato da LDO determinar, como meta do Judiciário para 2011, a instalação de 298 Varas e Câmaras Criminais; o Judiciário, para atender a essa meta, propôs recursos, entre custeio e investimentos, da ordem de R$ 15 milhões, o que já seria baixíssimo; e que o Executivo cortou esse valor para pífios R$ 10,00... O mesmo fez em relação à criação do cadastro de menores e adolescentes em conflito com a lei para fins de adoção, determinada pela LDO, e para o qual o TJSP solicitou R$ 25,5 milhões, valor que o Executivo cortou para ... R$ 10,00.

Afirmei que o problema não é financeiro, mas sim político, e diz respeito à visão que o Poder Executivo tem da Judiciário. Citei números do CNJ (Justiça em Números) demonstrando que, em relação ao PIB do Estado, o TJSP só tem investimentos maiores do que o Paraná. Mais claro ainda: em relação à participação no orçamento total do Poder Público, a Justiça de São Paulo só tem participação maior que os estados de Tocantins e Amazonas.

Disse ainda que propostas de alterações processuais que pretendem limitar (quando não, acabar) com determinados recursos, e de até mesmo impor penas de litigância de má-fé aos advogados, como se fossem eles os culpados pela demora processual, são, na verdade, desvios do verdadeiro problema do Judiciário: falta de dinheiro.

Além disso, em São Paulo, dos 18 milhões de processos em andamento na Justiça Estadual, 9 milhões são execuções fiscais. Dos 9 milhões de processos restantes, o Poder Público participa, como autor ou ré, de aproximadamente outros 25%. Assim, além de ser um péssimo provedor de recursos, o POder Público compete com os cidadãos, na busca de Justiça, com 75% de toda demanda judicial.

Por fim, apresentei um gráfico demonstrando que a situação se torna pior a cada ano. Cada vez se torna menor a participação do Judiciário no orçamento do Estado.




Falei dos esforços da OABSP para enfrentar o problema. O lançamento da campanha SOS Justiça, extraindo de todos os candidatos a Governador, inclusive o Governardor Eleito Geraldo Alckmin, compromisso com a Justiça.

Falei também das manifestações conjuntas da OABSP, do IASP e da AASP, conclamando pela aprovação integral da proposta orçamentária do TJSP para 2011. Comentei das reuniões que temos participado com as entidades representativas dos serventuários e com a APAMAGIS, buscando somar esforços para pressionar a Assembléia Legislativa pela aprovação do orçamento do TJSP.

Essas questões foram destacadas na Carta de Atibaia, aprovada por unanimidade ao final do evento.

sábado, 9 de outubro de 2010

Orçamento do Judiciário Paulista - Parte I

Dei uma entrevista hoje a noite à Rádio Jovem Pan (9/10) sobre orçamento do Judiciário Paulista.

Falei sobre alguns disparates no corte de 54% que o Executivo promoveu na proposta orçamentária do TJ.

A única hipótese que permite o Executivo cortar a proposta orçamentária do Judiciário é adequá-la à Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 99, § 4º, da Constituição Brasileira).

A LDO prevê instalação de 298 Varas e Câmaras Digitais para 2011. Para cumprir essa meta, o Judiciário incluiu na sua proposta R$ 14 milhões entre custeio e investimento. E o Executivo diminuiu essa verba para ... R$ 10,00! Adequação à LDO, ou descumprimento dela?

Todo o Judiciário Nacional tem investido na informatização do processo. Os sete Fóruns Digitais instalados pelo TJSP anos atrás poderiam servir de modelo para o país, não fosse a falta de recursos para melhoria e ampliação, o que se repetirá no ano quem, caso o Legislativo não restabeleça a proposta do TJ.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Advocacia e o Processo Eletrônico no STJ – Parte II - SEGURANÇA

À parte o desrespeito à CF, diante da supressão da publicidade, como apontado na primeira parte deste comentário, como sou advogado e tenho certificado digital,ao menos o meu acesso aos processos é possível. E como precisava ver esses autos, segui em frente.

E aí me deparei com um outro problema. Ao clicar em “advogado” apareceu na minha tela uma mensagem informando que um Javascript estava tentando executar alguma função, que o meu sistema operacional alertava como sendo potencialmente perigoso, dando-me a opção de bloquear o sistema ou deixá-lo rodar.



Testei, primeiro, bloquear o sistema, e descobri que o javascrip era do site do próprio STJ. Ao bloqueá-lo, contudo, não consegui visualizar o processo. Não sei o que o Javascript do STJ faz. Não tenho a obrigação de sabê-lo e mesmo que eu quisesse, não conseguiria.

Ao rodar no meu micro um aplicativo vindo de uma terceira pessoa, ainda que essa terceira pessoa seja o STJ, coloco em risco meu computador, meus sistemas e as minhas informações pessoais e de clientes, inclusive sigilosas. Deve competir a mim aceitar ou não que um sistema rode no meu micro. Mas, no caso, fui obrigado a aceitar essas condições impostas, pois realmente precisava ver aquele processo.

Mesmo autorizado a acessar meu micro, o javascript do STJ não funcionou.

Liguei para Brasília e fui transferido ao setor de informática do STJ, sendo atendido por um funcionário muito educado e solícito, que me explicou como fazer para resolver o problema.

Fui orientado por aquele funcionário a entrar no “Painel de Controle” do meu Windows, Clicar em “Java”, entrar em “Advanced”, “Security”, “Mixe cod (sandboxed VS trusted) security verification”, desabilitar a opção “Enable – show warning if needed” e habilitar a opção “Enable – hide warning and run with protections)"; depois disso, abrir meu browser na opção de “Executar como Administrador” e.... funcionou! Finalmente pude ver meu processo.

Só que ao fazer isso, eu simplesmente desabilitei uma função de segurança do meu browser, que me alerta, quando entrar em qualquer outro site (e não apenas do STJ), que algum javascript pode ter alguma função maliciosa, eliminando meu direito de decidir se quero ou não autorizar sua execução em meu micro.

Tenho repetido à exaustão que os Tribunais estão tratando a informatização dos processos judiciais de forma equivocada. Primeiro, por esquecerem que não apenas magistrados estarão sujeitos aos sistemas que eles implantarem, mas também advogados, promotores e serventuários. Em 6 anos como presidente da Comissão de Informática Jurídica da OABSP e 3 anos, como da Comissão de Informática do Conselho Federal, e apesar de muitas e muitas tentativas, pedidos, reclamações, etc, nunca vi a advocacia ser chamada para acompanhar o desenvolvimento de sistemas envolvidos no processo eletrônico. Apenas somos chamados a participar do lançamento desses sistemas, e sempre ouvindo o alerta, pelos Tribunais, de que, se não der certo, será culpa dos advogados.